terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Economia do Mar

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Este tema da economia do mar, a concepção e operacionalização de estratégias para a sua protecção, estudo e aproveitamento económico entrou, definitivamente, no léxico comum dos políticos, dentro e fora da Região.
Sobre este assunto, muito se ouve agora falar: Ele é clusters e mega-clusters, super estratégias, anúncios bombásticos de extensões do território nacional e muita, muita prosa poética, bem polida e a propósito sobre o desígnio marítimo de Portugal e dos portugueses.
Para além da importância que todos lhe reconhecemos, este assunto tem ainda outro raro mérito: o de gerar um total consenso entre todos os quadrantes partidários. Todos, da esquerda, do centro e da direita, queremos proteger o nosso mar, estudá-lo, potenciá-lo, torná-lo um factor de atracção e desenvolvimento económico, numa palavra: um verdadeiro desígnio nacional.
Perante tanta declaração apaixonada, tanto anúncio, tanto consenso seria caso para esperar que Portugal se afirmasse já como uma das grandes potências marítimas do mundo ocidental!
A realidade não é assim, todos os sabemos. Porque é preciso ir para lá das palavras sonoras e das afirmações grandiloquentes para percebermos o que foi feito e o que falta fazer para que se possa conceber uma efectiva estratégia de protecção dos nossos recursos marinhos. É para aí que queremos que este debate se encaminhe.
E ir para lá do estrondo das palavras implica questionar:
Onde é que estavam os que agora apregoam a nossa vocação marítima, quando um processo de integração europeia, mal conduzido, mal negociado desmantelou a nossa pesca, a nossa construção naval, a nossa capacidade mercante?
Onde estava a importância do desígnio do mar quando, num vergonhoso processo de capitulação, os nossos governantes entregaram a nossa zona económica exclusiva à voragem de rapina das frotas estrangeiras?

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Há perguntas e temas incontornáveis para abordarmos com seriedade esta questão.
Como podemos orientar o nosso país para as actividades de marítimas se não temos o controlo dos nossos mares, se a gestão dos nossos stocks, frotas e esforço de pesca se encontra em mãos alheias?
O processo de entrega dos direitos de pesca na zona económica exclusiva dos Açores foi um dos mais vergonhosos processos de capitulação e, direi mesmo, traição aos interesses nacionais da nossa história. Uma página negra de que as gerações futuras pagarão a factura e que julgarão, certamente, com a severidade que merece.
Entretanto, mesmo dentro da nossa zona de acesso exclusivo, a fiscalização no mar é uma verdadeira anedota. O nosso mar tornou-se uma espécie de “far-west” onde, fora da vista de costa, tudo é possível e nenhuma regra é respeitada, com a tranquila impunidade de quem sabe que os meios de fiscalização pura e simplesmente não existem!
Apresenta agora Portugal a pretensão de ver reconhecida internacionalmente a extensão da sua plataforma continental, processo a que não nos opomos, aliás. Perguntamos para quê, quando nem sequer somos capazes de fiscalizar com um mínimo de eficiência a área actualmente sob nossa responsabilidade!
Não vale a pena discursarmos sobre grandes estratégias se não formos capazes de resolver este primeiro problema. E essa solução terá de passar forçosamente por uma renegociação de tratados a nível europeu e paralelamente por um fortíssimo investimento nos meios de fiscalização do que é, afinal, o nosso território. Sem estas condições, todo o discurso e todo o esforço serão fúteis.
Como podemos inverter a crescente degradação dos rendimentos dos nossos pescadores, esmagados entre a concorrência de frotas maiores e melhor apetrechadas, por um lado, e a ganância especulativa de intermediários sem escrúpulos, por outro?
As primeiras vítimas da redução do esforço de pesca, do contínuo e indiscriminado abate de embarcações que se tem verificado a nível nacional nos últimos anos, foram as comunidades piscatórias ligadas à pesca artesanal. A pauperização dos homens do mar tornou-se a regra continuamente seguida por todos os governos, na República, como nos Açores, como via de os forçar ao abandono da actividade.
Entramos assim no círculo vicioso, quanto menos pescamos, mais pescadores se afastam desta actividade basilar da nossa economia. E alguém ganha com este ciclo, mas não é com certeza Portugal ou os portugueses.
Nos Açores, os custos e dificuldades de transporte, a par da desadequação de algumas artes e de algumas capturas acrescentam ainda maiores obstáculos à que já é uma actividade difícil e incerta.
Para o PCP a questão essencial é a do aumento dos rendimentos dos pescadores, que só pode ser conseguido através da melhoria das suas condições laborais e pela efectiva aplicação do seu estatuto profissional, por um lado, mas também através de uma actuação directa dos poderes públicos no mercado, limitando as margens de lucro dos intermediários e garantindo o escoamento do pescado.
É decisivo que se entenda o papel social estruturante que a pesca, seja como actividade principal ou complementar, tem nas nossas comunidades e que se abram possibilidades de aumentar a capacidade da nossa frota artesanal, bem como melhorar o seu apetrecho. É neste sentido que os apoios e ajudas públicas devem ser investidos. Não no sentido da continuação do desmantelamento do nosso sector das pescas.
Exmo. Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Exmo. Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Também do ponto de vista da investigação científica e da protecção dos recursos marinhos temos interrogações e perplexidades.
Interrogações sobre a utilidade de andar a criar regimes jurídicos de protecção, de forma desarticulada e mesmo casuística, quando não existem quaisquer meios para os fiscalizar.
Interrogações sobre a pressão para a contenção de capturas pela frota artesanal, ao mesmo tempo que se permitem que embarcações de maior porte continuem a utilizar artes de que hoje se conhece cada vez melhor o potencial destrutivo.
Interrogações sobre a continuação da aposta na miragem atuneira de massa, de baixo valor acrescentado, inconstantes resultados e difícil sustentabilidade ambiental, em vez de se apostar na especialização das capturas, mais selectivas, mais sustentáveis e sobretudo mais rentáveis. Reconhecendo a necessidade de alimentar uma indústria conserveira que é estrutural para o emprego e para a economia regional, não deixamos de levar em linha de conta a necessidade da sua modernização e da diversificação dos seus produtos.
Perplexidades sobre uma investigação científica feita sem meios, por universidades e institutos depauperados, usada como um adorno por dirigentes políticos, mas faltando-lhe a essencial substância do investimento necessário.
Perplexidades sobre a valorização pública que se faz da investigação científica, ao mesmo tempo que se mantêm os investigadores numa precariedade absoluta e crónica, à mercê de bolsas reduzidas e incertas, deixando partir para outras paragens os nossos melhores cérebros.
Para o PCP, a dimensão dos nossos recursos é forçosamente acompanhada pela irrecusável responsabilidade do seu estudo, protecção e conservação: o inverso das políticas seguidas até agora.
Exmo. Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Exmo. Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Para além das questões que já trouxemos ao debate, queremos também registar algumas contradições e paradoxos.
E o primeiro paradoxo é ouvirmos os mesmos que, a nível nacional, aplaudiram o desmantelamento da nossa indústria de construção naval, que possuía, à data, exemplos de excelência tecnologicamente avançada, virem agora falar de “clusters do mar”, como uma prioridade para o país. Sem os investimentos necessários para recuperar essa capacidade produtiva, de que cluster falamos, afinal?
Nesta área, também na Região faltam os esclarecimentos do Governo Regional sobre o fim do negócio com os estaleiros navais de Peniche e a sua eventual ligação com o concurso para a construção de embarcações para as ligações entre as ilhas do triângulo. Sejam quais forem as razões, externas ou internas, nebulosas ou cristalinas, o resultado, para os Açores, foi só um: mais uma oportunidade perdida. Mais tempo desperdiçado.
Também o campo da actividade portuária nos traz múltiplos paradoxos.
E talvez o mais significativo seja o continuado apetite para a centralização demonstrado pelo Governo Regional.
Primeiro quis centralizar o tráfego de mercadorias para plataformas logísticas e, se recuou nesse intento, foi pela fortíssima oposição de múltiplas instituições e sectores da população.
Agora, pretende centralizar as administrações portuárias, extinguindo as entidades existentes e fundindo-as numa única mega-entidade, que terá de gerir realidades tão díspares e complexas como o porto comercial de Ponta Delgada ou o porto da casa em Vila do Corvo!
Duvidamos muito das vantagens desta centralização, independentemente da bondade das suas intenções, porque pensamos o conhecimento e proximidade à realidade local é o primeiro pilar de uma gestão eficiente, algo que não deve ser sacrificado apenas para poupar uma mão cheia de euros. Esperamos, também sobre esta matéria, os necessários esclarecimentos do Governo Regional.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Resta-nos ainda registar mais um paradoxo, no campo do aproveitamento turístico dos nossos recursos marinhos.
Como é que é possível potenciar o poder de atracção singular que possuímos quando na observação de cetáceos, por exemplo, se permite o aumento descomedido da lotação das embarcações, com óbvia perda de qualidade e insustentável pressão sobre o recurso?
Como é que se pode apostar na multiplicação incontrolada de empresas do ramo das actividades marítimas e de eco-turismo, gerando uma concorrência selvagem e a consequente quebra da qualidade dos serviços, na qual todos perdem, a começar pelo turista que visita os Açores?
A riqueza dos nossos mares e a multiplicidade da sua oferta é incompatível com um modelo de atracção turística massificado, descaracterizado e de baixa qualidade, vítima da continuada multiplicação de entidades, com a ausência de uma visão estratégica enquadradora.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Para concluir, quero dizer que o PCP Açores reconhece a importância e oportunidade da interpelação do PPM, tal como proposta, em termos gerais.
Mas os esboços de solução que aqui traçarmos terão forçosamente de abranger alterações profundíssimas nas políticas seguidas e nas estratégias aplicadas, sob pena de este debate que hoje realizamos não passar de mais um oco exercício académico que infelizmente vemos tantas vezes repetido. Esperamos que assim não seja, desta vez.
Disse.
Sala de Sessões, Horta, 25 de Janeiro de 2011

O Deputado Regional do PCP Açores
Aníbal C. Pires

1 comentário:

  1. Parabéns, pai. Este blog promete. Beijinhos cheios de saudade e cheios de orgulho da tua luta diária por um mundo melhor.

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