terça-feira, 22 de março de 2011

Em defesa dos pescadores e das pescas açorianas

Intervenção proferida hoje na "Interpelação ao Governo Regional" sobre o sector das Pescas.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,

As questões que se relacionam com estatuto profissional dos pescadores são, de há muito, caras ao PCP. Desde logo porque estivemos na origem da lei 15/97 que, pela primeira vez na história deste país, instituiu um regime laboral assente num contrato de trabalho, à semelhança dos restantes trabalhadores portugueses.
No entanto, este regime laboral não se generalizou tanto quanto gostaríamos e, aí, a principal responsabilidade recai sobre o PS que recusou, na altura, a proposta do PCP para assegurar a subsidiariedade da legislação laboral comum. Ao fazê-lo, abriu a porta à manutenção de relações de trabalho ditas “tradicionais”, isto é: permitiu a manutenção do arcaico regime de exploração infelizmente bem conhecido por muitos pescadores, também nesta Região, sob o nome de quinhão.
Uma realidade que é tanto mais vergonhosa quanto Portugal está entre os países subscritores da Convenção 188 da Organização internacional do Trabalho sobre as condições laborais no sector da pesca!
Claro que, para além deste buraco legal, outros factores contribuem para continuação deste estado de coisas:
À cabeça, o baixo valor do pescado em lota, que não se deve à falta de escoamento do pescado, antes se relaciona com o mecanismo de formação dos preços, que depende da intervenção dos compradores que, a seu bel-prazer e no seu interesse controlam a primeira venda, impondo preços muito abaixo do que seria justo. E fazem-no, nesta Região, porque apesar de existir uma taxa máxima de lucro, existem também múltiplas maneiras de a contornar, perante uma fiscalização, também em terra, inane ou inexistente!
Mas, também, a falta de especialização das capturas, flagrantemente clara no caso da pesca do chicharro, mas não só, contribui para o mísero valor da primeira venda.
É, infelizmente, o lógico resultado de anos de desmantelamento da nossa frota e redução do nosso esforço de pesca, com apoios que deveriam ter servido para a sua modernização, que entregaram e entregam a frotas extra-regionais, maiores e melhor equipadas os melhores recursos dos mares dos Açores. Enquanto navios estrangeiros e do continente, com a devida licença emitida por este Governo Regional, pescam nas nossas águas, para os pescadores açorianos e as suas pequenas e envelhecidas embarcações resta a pequena captura costeira, de baixo valor! Para os de fora, o peixe graúdo, para os açorianos, os restos!
Mas, como se tal não bastasse, entregámos ainda uma extensa fatia da nossa Zona Económica Exclusiva à ganância europeia, sem deixarmos protegidos os nossos interesses e as nossas riquezas.
Os milhões de apoios europeus que serviram para financiar o desmantelamento da nossa frota, teriam sido muito mais bem empregues na sua reconversão e modernização, para que hoje pudéssemos contar com um sector moderno e bem apetrechado, praticando uma actividade sustentável.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Basta percorrer algumas das localidades piscatórias da ilha de São Miguel, por exemplo, para percebermos a dimensão deste erro e os custos sociais desta política desastrosa: A exiguidade e incerteza dos rendimentos, o perigo sempre presente, a falta de reconhecimento social do seu papel e importância, tudo contribui para tornar a pesca profissional uma actividade pouco atractiva e os pescadores uma camada socialmente frágil e problemática.
Esta desvalorização relaciona-se também com as baixas qualificações dos pescadores e a falta de incentivos para a sua profissionalização. Devido a estas dificuldades muitos são os que encaram a pesca apenas como actividade ocasional ou temporária, um mero rendimento complementar a outras actividades, perpetuando assim a penosidade sem fundamento, a precariedade, a exploração.
Reconhecemos que, na Região, alguns passos têm sido dados e que se realizam alguns cursos que são importantes. Mas continua a faltar dimensão a esse esforço.
Precisamos de uma aposta mais enérgica na formação e profissionalização dos pescadores. O PCP Açores defende, por isso, a criação de uma verdadeira Escola Profissional de Pesca, que pudesse dar formação aos nossos pescadores, valorizando a sua profissão e melhorando a empregabilidade de muitos dos nossos jovens, dando-lhes formação específica num sector que é, a nível mundial, carente de mão-de-obra.
O primeiro passo na redinamização do sector pescas terá forçosamente de passar por uma nova valorização dos seus profissionais. Nisto, sim, serão bem empregues os milhões de ajudas europeias que temos desbaratado.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Infelizmente, na Região como na da República, o PS continua a sacrificar os pescadores.
Recentemente, fomos confrontados com a vergonhosa decisão do Governo Regional de fixar o valor da compensação pelos dias de paralisação forçada, do FUNDOPESCA em apenas 250 Euros. Isto não é compensar os pescadores, isto é insultar os pescadores! Ainda para mais num extraordinariamente difícil do ponto de vista das condições climatéricas, como foi o de 2010!
Por outro lado, o Governo rasga assim a expectativa de aproximação do vaalor do Fundopesca ao salário mínimo, assumida neste Parlamento pelo Subsecretário das Pescas.
Este fundo tem de parar de ser entendido como uma espécie de saco azul arbitrariamente gerido pelo governo regional em função dos seus interesses políticos. Este é dinheiro descontado pelos pescadores! Pertence aos pescadores! Atribuir 250 Euros de Fundopesca é, objectivamente, um roubo aos pescadores que, veementemente contestamos. O Fundopesca tem de parar de servir para o Governo ir gerindo os descontentamentos e passar a servir para compensar a perda de rendimentos dos pescadores.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Não satisfeito ainda com a miséria em que tem lançado a classe piscatória, o PS vem agora através das novas regras do código contributivo, dar mais uma machadada decisiva sobre a pesca artesanal e sobre a sobrevivência dos pequenos armadores.
Com estas alterações, o PS criou mais uma situação de injustiça objectiva, ao não entender o que é realidade sócio-económica da maior parte dos pequenos armadores e dá mais um passo na destruição da nossa frota tradicional, que é um pilar essencial da sobrevivência de muitas comunidades ribeirinhas. Demonstra assim, uma cegueira abstrusa no plano económico e uma insensibilidade monstruosa no plano social e humano.
Arruinam-se os pescadores e contribui-se assim para arruinar ainda mais o país e a nossa Região. É mais uma que os pescadores têm para agradecer ao Partido Socialista!

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhoras e Senhores Membros do Governo,
Há outro caminho.
Para o PCP, uma política de pescas virada para o futuro exige:
a manutenção da soberania nacional sobre as nossas águas, o mar territorial e área adjacente) com prioridade para a frota regional;
a defesa da pesca costeira, com especial relevo para a pesca artesanal;
uma gestão dos recursos que respeite o acesso colectivo, baseada em aspectos biológicos e com um sistema de co-gestão;
a modernização e renovação das frotas, com o abandono dos abates indiscriminados; a formação profissional e a valorização salarial dos pescadores e o incentivo à sua profissionalização, bem como a aplicação generalizada de contratos de trabalho a bordo;
a defesa dos direitos adquiridos e obtenção de novos direitos, nos acordos da União Europeia e bilaterais;
a efectiva aplicação e fiscalização sobre a margem máxima de lucro para os intermediários;
uma fiscalização adequada da actividade;
o reforço de meios financeiros e técnicos para a investigação científica.
Uma política de pescas construída nestas linhas é a única forma de garantirmos o futuro desta actividade na nossa Região, na qual o PCP Açores está, como sempre, empenhado.
Disse.

Horta, 22 de Março de 2011
O Deputado do PCP Açores
Aníbal C. Pires

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